segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Crónica d(um)a Manifestação

No sábado fui ao Terreiro do Paço. Apanhei o comboio e saí no Cais do Sodré ainda não eram 15h e chegava ainda muita gente e muito autocarro. Subi em direcção ao Restauradores passando pelo Chiado e Largo do Carmo onde me ia desligando da manifestação, mas vendo sempre vários grupos a caminho dela. Chegado aos Restauradores encontro-me com um amigo. Espera, com muitos outros, a sua vez de descer a Avenida, estão impacientes e fazem umas quantas críticas construtivas à organização. Cansado de esperar digo "Vou até ao Terreiro do Paço e já volto", mas não voltei.

Enquanto descia o ambiente ia-se alterando. Ficando cada vez mais animado pelo sentimento de multidão. Entretanto noto que não há espectadores nos passeios observando o desfile como é costume! Já na Rua do Ouro, de megafone na mão um fanhoso dava as palavras de ordem engolindo metade das sílabas. Olho em volta procurando risos de desdém, mas não há, apenas sorrisos de surpresa por mais uma visão insólita, e toca a descer até ao Terreiro do Paço cada vez a passo mais largo. E, finalmente, cheguei.

Cheguei, mas não posso parar pois atrás vem mais gente. Ficou claro que pertencia a um rio cujo fluxo de gente passava de laminar para turbulento enquanto "colidia" com quem já se encontrava no Terreiro. Decido dirigir-me para perto do palco e logo um novo rio de gente que descia a Rua Augusta me interrompe a caminhada, paro, e escolho o melhor momento para nadar até à outra margem, e... finalmente, o palco. Ai nesse ponto o ambiente era ainda mais especial, a experiência de quem permaneceu nessa zona foi muito diferente de quem, como eu, procurou um local mais sossegado e longe do palco. "Somos mais de 300 mil... Ainda há trabalhadores nos Restauradores e...", dão música para fazer tempo que mais cheguem, cantam Adriano Correia de Oliveira e a Confederação quando já me afastava, fantasio então que haja moche e nem olho para trás para confirmar, mas arrependo-me de não estar a ouvir tal som no meio daquela multidão em festa.

Encontro-me com uma mãe e filho que me esperavam junto à Estação Fluvial. Eles são um dos responsáveis por me ter tornado comunista.
As manifestações servem também para nos encontrarmos com os amigos. E ali esperava por outros que vinham ainda por outro "rio" vindo de Santa Apolónia. São muitos, mas várias faixas com uma dizendo "Couço, contra o fecho dos CTT" acusa a presença deles. Como muitos outros, chegam após várias horas de viagem e de caminhada até ali.

Quanto vou ter com eles e os encontro já fazem planos para se irem embora: "O nosso autocarro deve estar quase no Parque das Nações... temos de ir cedo... há muitos idosos". Parque das Nações!! Faz sentido, a quantidade de autocarros era mesmo impressionante, tal como assistira antes entre Santos e o Cais do Sodré. E antes do discurso de Arménio Carlos acabar já se tinham ido embora com a promessa de voltar à capital.

Teria de ter jeito com as palavras para descrever uma manifestação como esta. A quantidade de manifestantes é apenas mais um dado e há algo muito mais para além dos números.
Gente inteligente esteve nestes dias a calcular a área do Terreiro do Paço e, a partir duma optimista concentração de pessoas, estimaram a capacidade máxima de seres humanos que local pode acomodar [exemplo]. É o tipo de inteligência que acha que a matemática feita sem descer ao terreno é ciência magicamente exacta, é uma visão elitista, do género que pensa que dum gabinete pode compreender o mundo e até governa-lo ou transforma-lo, mas a matemática só é usada correctamente quando ligada à vida, à prática, e o Terreiro do Paço não foi um local de estadia, mas sobretudo de passagem e de encontro.

Os intelectuais de gabinete jamais compreenderão este tipo de manifestação como as da CGTP. Nem eu que sai do "gabinete" há uns poucos de anos as compreendo ainda muito bem. Mas eles só pensam em números e nem nisso acertam. Falham nos cálculos, pois a multidão move-se, transforma-se durante as muitas fases duma manifestação, não fica estática nem no Terreiro do Paço nem nunca; e se calhar é isso que os perturba: o movimento.

Tocou-se os três hinos. O da CGTP. O de todos nós. E o de Portugal. E fim.
Os intelectuais de gabinete possivelmente acreditarão que a manif teve aqui o fim, mas quem lá esteve ou costuma fazer multidão perceberá que somente o post terminou.


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