quarta-feira, 29 de maio de 2013

Três pontos sobre um roubo organizado em prol da finança

Excerto do comunicado da "frente sindical e comissão de trabalhadores do Metro de Lisboa" aos utentes e ao país:
(...)
“Mas, o que fez o Governo com tudo o que nos roubou, a si e a nós? 
Entregou aos especuladores! No Metropolitano de Lisboa só as perdas com a especulação financeira dos swaps já somavam em Dezembro 1,24 MIL MILHÕES de euros! Para ter uma ideia do volume da coisa, vamos dar-lhe alguns exemplos:
  • Em média, numa semana, perde-se na especulação financeira o dinheiro suficiente para concluir o alargamento das estações da linha verde para 6 carruagens! E num mês, a verba necessária para levar o Metropolitano à zona ocidental de Lisboa (Alcântara).
  • O que pagamos em swaps dava para todos os clientes andarem sem pagar nada no Metro, durante 25 anos!
  • Os valores das perdas com os swaps seriam suficientes para pagar os salários dos trabalhadores do Metropolitano de Lisboa durante 17 anos! (…)"

São três pontos que dizem muito sobre a natureza de classe deste governo (e anteriores), acrescenta mais um exemplo à secção aqui do blog denominada O executivo do Estado moderno...

domingo, 26 de maio de 2013

Clara Ferreira Alves e a Linguagem

A linguagem correlaciona-se com o pensamento e condiciona-o. É sabido.

Há minutos na televisão, no programa Eixo do Mal, Clara Ferreira Alves no meio de um raciocínio disse algo como: "nós não conseguimos competir com os salários do leste da Europa".

Antes de mais, "nós" quem? Só mais uma questão: e que tal, inverter a coisa, e falar que são "Eles, a leste da Europa, [que] não conseguem competir com os nossos salários"?, porque não? É que caso fizesse sentido uma competição entre salários, então porquê que tal uniformização de salários põe a linguagem a promover uma redução dos seus valores? 

Clara Ferreira Alves simplesmente fez o que a maioria faz, que é expor o pensamento da classe dominante, mesmo que não saibam que o fazem, mesmo que pensem que não estão a tomar uma posição ideológica de classe. Só a burguesia - a classe dominante - tem como necessidade reduzir os salários, enquanto aos trabalhadores lhes interessa o oposto.

Não chega a fazer sentido para nós (classe trabalhadora) competirmos entre nós, mas se fizesse, quem não conseguiria competir com os nossos salários seriam os povos do leste da Europa. O objectivo dessa competição seria então a melhoria das condições de vida com aumento dos salários. Logo, a nossa linguagem deve evitar frases como a usada por Clara Ferreira Alves há minutos na TV e procurar usar a nossa própria linguagem. Mas o pensamento e linguagem da classe dominante está absorvido por todos nós, até pelo mais revolucionário dos revolucionários.

quinta-feira, 23 de maio de 2013

Sobre o PSD, Cavaco Silva e a CEE - Álvaro Cunhal, em 1994

“(…)

Acompanhando as ofensivas antidemocráticas nestas quatro vertentes [económica, social, cultural e política], o governo de Cavaco Silva e do PSD sacrificam e submetem os interesses portugueses a interesses estrangeiros a troco de fundos da CEE que em grande parte são desviados dos seus declarados objectivos e metidos ao bolso de novos e velhos milionários, mas que apesar disso cobrem temporariamente carências graves e criam também temporariamente uma sensação de desafogo económico e financeiro.

Cavaco Silva, o governo, o PSD anunciaram que como resultado da acção do Governo, Portugal era o «oásis» da Europa, um país de «sucesso» em pleno desenvolvimento lançado como uma lebre no encalço da tartaruga da Europa.

A realidade é a progressiva destruição do aparelho produtivo (na agricultura, na indústria, nas pescas), a crise e a recessão económica geral. Sacrificam-se, comprometem-se e entregam-se ao capital estrangeiro empresas e sectores básicos estratégicos e recursos e potencialidades materiais e humanas. Agrada-se a dívida do Estado. Agrava-se a balança comercial. Aumenta o distanciamento em relação aos países mais desenvolvidos em vez da «coesão económica» tantas vezes apresentada como objectivo em vias de ser atingido. São cada vez mais graves as limitações à independência e soberania nacionais pela aceitação servil, seguidista e capitulacionista do Tratado de Maastricht e da imposição a Portugal pelos países mais desenvolvidos de decisões supracionais contrárias a interesses vitais portugueses.

A continuar no poder Cavaco Silva e o governo de direita, Portugal corre o risco não só de ver substituída a democracia política por um regime autoritário de cariz ditatorial, mas também de um dia não muito distante, quando diminuir, como é inevitável e está previsto, o fluxo de fundos da CEE, ser mergulhado numa profunda crise de carências alimentares, energéticas, técnicas e tecnológicas para superar as quais uma solução será então extremamente difícil, na situação que está a ser criada.

A política do governo do PSD de destruição das conquistas e valores democráticos da Revolução de Abril é uma política que destrói recursos e potencialidades que vêm do passado, que provoca uma penosa crise no presente e que faz pesar sobre Portugal gravíssimas ameaças para o futuro.”
Prefácio à 2ª edição (1994) de “A Revolução Portuguesa: o passado e o futuro”, de Álvaro Cunhal. (citação retirada daqui mas é melhor lê-lo aqui)

quarta-feira, 22 de maio de 2013

De pernas para o ar

É algo que vejo a acontecer frequentemente, sendo nos comentários das redes sociais ainda mais fácil de analisa-lo, e refiro ao seguinte: alguém emite uma opinião em que analisa a realidade concreta e o receptor toma a análise como uma crítica pessoal e moral.

Há dias alguém no facebook publicou a seguinte citação:
E como a reacções à publicação remetiam-se à necessidade de votar, decidi comentar também acrescentando apenas que "A participação na política de qualquer pessoa tem de ir muito para além do voto...". Realmente aparenta ser uma consideração de moral, e foi interpretado como tal, ao invés, de uma observação de uma necessidade concreta. A participação na política é uma necessidade concreta e não um mero dever idealizado somente a partir das nossas cabeças. Mas, lá tive de ouvir a desculparem-se!, após terem interpretado a minha afirmação como uma crítica pessoal, o que é - permitam-me este aparte - uma reacção muito curiosa e que gostaria de debruçar-me mais sobre ela, inclusivamente aqui no blog.

Vou tentar ser claro na minha posição: 
a moral de uma pessoa ou de um povo forma-se sob as circunstâncias do meio onde vivem, e, por isso, é fundamental analisarmos e compreendermos essas circunstâncias para, então, de acordo com as nossas necessidades, humanamente transformar as circunstâncias. Dai ser necessário formar e partilharmos opiniões, que é uma forma de refinarmos esse nosso conhecimento sobre o mundo. A cada alteração das circunstâncias, ou simplesmente, a cada alteração na compreensão que temos delas, uma nova moral se readapta. Também por isso, não é de estranhar que uma afirmação de uma análise concreta tenha implicitamente embutido uma consideração moral, tal como o exemplo acima. Devemos comentar sobre o concreto - ora, terei feito agora uma declaração de moral?!

segunda-feira, 20 de maio de 2013

Synecdoche, New York (2008) - 10

Vi este filme pela segunda vez há pouco. Da primeira, há poucos meses atrás, a pretensão de escrever um post sobre ele tornou-se impossível por haver demasiadas camadas de compreensão para descortinar neste filme, o que tornou a sua intelectualização em palavras um acto que ultrapassou completamente as minhas capacidades.
Clicar aqui para ouvir a banda sonora
O enredo é complexo, e essa complexidade vai entropicamente crescendo ao longo do filme, às vezes demasiado, aparentemente, mas não poderia ser de outra forma quando o objectivo é compreender o ser humano, ir mesmo a fundo nessa busca, e ainda reproduzir artisticamente toda a sua riqueza comportamental, das emoções aos sentimentos, com ênfase nos medos e desejos humanos. No filme, o protagonista deseja ir além do seu criador: alguém com génio capaz de sintetizar numa obra cinematográfica a natureza humana, - argumentista que já antes vinha abordando e reflectindo sobre o assunto nos seus anteriores filmes como Eternal Sunshine of the Spotless Mind, Adaptation, Human Nature e Being John Malkovich. Não me lembro de ver noutro filme uma busca tão abrangente acerca do comportamento humano, descendo tão fundo aos seus sentimentos como ao pensamentos; talvez um título: Magnólia - filme onde também participa Philip Seymour Hoffman.
Caden analisando papeis escritos com pensamentos íntimos de várias pessoas
Charlie Kaufman explora como nunca o fez a dialéctica que há entre a aparência e a essência, forma e conteúdo, enquanto se deixa emaranhar numa teia de percepções da realidade por parte dos personagens em que a realidade subjectiva e a concreta se torna difusa também para o espectador, buscando por respostas que, em vez de as descortinar e encontrar harmonia, gera cada vez mais e mais perguntas. Quanto mais são as questões novas, maior é a tensão e a ansiedade. O protagonista é reflexo maior no filme disto: psicótico com terríveis falhas de auto-percepção que cria uma megalómana obra de teatro com o obsessivo objectivo de investigar a essência de cada ser humano; nessa sua luta por fazer sentido, e pela sua existência, termina por se admitir (ou talvez resignar-se) e compreender que é como todos os outros seres humanos; o protagonista - argumentista e encenador - é também todos os personagens e essas pessoas são também o protagonista, isto é, uma sinédoque.

É um dos mais impressionantes filmes que vi, sobretudo pelo peculiar estilo de escrita. Sem dúvida um dos meus favoritos.

segunda-feira, 13 de maio de 2013

Falar de Música e não tanto sobre a vida dos músicos

No geral interessa-me pouco as entrevistas com músicos de pop ou rock, a maioria delas focam-se na vida dos músicos ou no que sentem em relação ao novo material, e raramente aprofundam assuntos como o processo e técnicas de composição das músicas. Não pretendo dizer que a vida e os sentimentos do artista não tenham interesse até para se compreender a música e todo um contexto relativo à criação e a interpretação das obras, contudo é uma pena que raramente se comente a obra noutras abordagens.

Aqui está um exemplo de uma entrevista com uma diferente abordagem, semelhante àquela que sinto falta que haja mais. Penso que se torna interessante para qualquer pessoa, mesmo que não tenha formação musical, perceber como surge determinado riff de guitarra ou a escolha do compasso. Nada como meter nas mãos do compositor o instrumento de referência e fazê-lo falar.
- You've written that in 5/8!
- Yeah?! Whatever!

domingo, 12 de maio de 2013

Colectânea de Artigos (Março e Abril de 2013)

  • Declarações de Joana Manuel, Em Defesa de um Portugal Soberano e Desenvolvido;
    E foi isso que percebi ao preparar esta intervenção: o que impediu os meus pais de serem jovens é aquilo que me cola à pele o epíteto. Jovem. É uma espécie de espelho invertido. Não sei se basta passar através dele, como a Alice. Um dia vamos mesmo ter de parti-lo.
  • Chavez, o desafio e a esperança, por Miguel Urbano Rodrigues; Como definir e situar o revolucionário Hugo Chavez? 
  • Na era dos comentadores, o "euísmo" substituí o "achismo", por Rogério, in Conversa Avinagrada;
    Com o desenrolar dos tempos, o "eu acho que" ocupou o discurso baseado na "mensagem" televisiva, depois secundada na imprensa escrita. Mas "achar" ainda significava pensar, ter algum espírito critico, desmontar e tentar perceber...
  • Raquel Varela, as deserções e o PCP, por Victor Dias, in O Tempo das Cerejas;
    O texto rico que ajuda a compreender a história e a posição do PCP em relação à guerra colonial.
  • Onde há Partido, por Antónios Santos, in Avante!;
    Às vezes, só pela ausência compreendemos o verdadeiro valor do que temos...

    sexta-feira, 3 de maio de 2013

    Corrupção, um dos bodes expiatórios da ditadura do capital

    Disse-lhe: «Vivemos numa ditadura do grande capital». A ela desagradou-lhe o termo ditadura e respondeu-me que só dizia isso porque não tinha vivido os tempos do fascismo. Ainda tentei explicar que para uma ditadura ser uma ditadura não precisa necessariamente de exercer terrorismo de Estado contra os seus cidadãos, pelo menos, não abertamente, contudo a tese de que vivemos numa ditadura do capital foi afastada por ela com uma falácia: a afirmação não é verdadeira porque eu sou muito novo. No fundo foi isso.

    Mas hoje manda-me um mail com os seguintes sublinhados:
    "O que o Estado pagou a mais às PPP só é possível porque a sede da política - Assembleia da República - está transformada num centro de negócios" - isto relativo a uma auto-estrada concessionada em que o concessionário paga multas, ou recebe prémios do Estado, em função da taxa de sinistralidade. 
    "Se a sinistralidade aumentar 10%, o concessionário tem de pagar uma multa de 600 mil euros, mas, se houver uma redução de 10% na sinistralidade, o Estado tem de pagar à empresa 30 milhões de euros"
    Segundo sublinhado:
    Referindo-se à nacionalização do BPN, Paulo Morais lembrou que o anterior governo socialista nacionalizou apenas os prejuízos, que estão a ser pagos pelo povo português, e permitiu que os acionistas da SLN - Sociedade Lusa de Negócios (agora com o nome Galilei), detentora do banco, ficasse com os ativos e com todas as empresas lucrativas.
    E por fim:
    A aquisição de dois submarinos à Alemanha é, segundo Paulo Morais, mais uma caso de "corrupção comprovada", não pelos tribunais portugueses, mas pelos tribunais da Alemanha. (fonte)
    Faz-me lembrar um amigo meu que, há uns anos, ao tentar refutar-me punha-se a explanar uma série infindável de factos que, em vez de negar a minha tese, acabava por confirma-la. Depois repetia e repetia o processo na esperança que conseguisse refutar a minha tese, mas sempre reforçando-a. Não sei o que fazer com pessoas assim, que entregam-se de forma tão fiel a um estado de negação.

    Mas, nestes sublinhados acima, há uma tese que sossega as mentes que querem por tudo ignorar a existência na nossa sociedade de uma luta de classes, e uma subjugação da maioria da população ao capital monopolista e financeiro, que é a tese de que a culpa é da corrupção. É como quem diz «isto está mal por causa desses malandros e incompetentes». Mas como surge a corrupção? Como é que a corrupção é tão sábia naqueles que deve favorecer? Porque é tão bem exercida em favor do capital?

    Colocar as culpas na corrupção serve como bode expiatório para o que é, na verdade, intrínseco à classe dominante, que é satisfazer as suas necessidades seja como for, e além da corrupção, pode usar ou não abertamente o terrorismo de Estado. Vivemos numa ditadura do grande capital, e penso que uma prova disso é a própria corrupção estar submetida a ele.