sábado, 27 de abril de 2013

Medo do medo dos outros

Ultimamente tem acontecido sempre. Em vésperas de uma manifestação vêm-me dissuadir de nelas participar preocupados de que algo de mau me possa acontecer. Foi o que ocorreu mais uma vez em vésperas do desfile do 25 de Abril na Av. da Liberdade. Essas pessoas conhecem bem alguns agentes da PSP que evitaram meter dias de férias durante a Páscoa para o poderem fazer para os dias 25 de Abril e 1º de Maio por receio de serem chamados para fazer a segurança nesses dias, escolhendo assim não passar com as suas famílias a Páscoa, que é um feriado de grande tradição nas suas terras no norte do país, por causa do medo de possíveis desacatos, o que nos deu a todos a entender que a ameaça seria séria. Acontece, porém, que destas pessoas que me tentam dissuadir de participar em manifestações do género nunca participaram em nenhuma, logo desconhecem que, por exemplo, a Av. da Liberdade no dia do desfile é muitíssimo mais segura do que num dia normal. O mais grave que terá acontecido no desfile na passada quinta-feira foi uma criança de colo que fez um valente cocó na fralda.

Ainda não há motivos para ter medo de participar na esmagadora maioria das manifestações, mas porque elas não são todas iguais, aconselho a quem tem interesse em participar e tem receio, a falar primeiro com quem está acostumado a ir a manifestações, pois ninguém melhor que essas pessoas sabem avaliar a justeza dos medos.

É interessante a distância entre a realidade e a sua percepção de quem sobre manifestações está quase só "informada" pelos média. Para medos já nos basta e pesa aqueles que têm fundamento de existir.


quarta-feira, 17 de abril de 2013

The Man Who Wasn't There - 10

Detesto os irmão Coen. Tudo começou numa tarde algures no século XXI enquanto via Fargo... É uma longa história.

Em The Man Who Wasn't There o senhor Meursault* nunca foi morfologicamente tão parecido com o seu criador, A. Camus, nem nunca teve tão idêntica reencarnação como na pele do lacónico Ed Crane - o protagonista do filme dos irmãos Coen.

Um enredo brilhante, imprevisível, peculiar, que se encaixa perfeitamente com a fotografia e no ritmo da narrativa, integrando várias componentes noir, sendo coerente e consistente do início ao fim. O absurdo está na obra nas mais variadas formas e camadas, desde sonhos, visões e descrições de fenómenos paranormais, como o absurdo camusiano, onde o protagonista do filme atravessa com indiferença pelos acontecimentos quotidianos tal como, caminhar, cortar o cabelo, fechar um fecho dum vestido ou assassinar uma pessoa. A morte atravessa toda a obra, contudo, ao contrário de outras em que isso faz reflectir e reflexionar a vida, neste caso, a incidência torna mais claro o seu absurdo e a sua falta de sentido.

Um dos elementos noir do filme é Birdy, um bela e inocente mulher, interpretada por Scarlett Johansson, responsável pelos momentos que mais enfaticamente se mostra a ambivalência do protagonista e da vida. Um desses momentos é o encanto com que Ed Crane ouve Birdy tocar piano, e a posterior revelação de que ela tocava música sem alma, de forma mecânica, tão desapaixonadamente como a forma como o personagem principal vive.

Nunca antes Ed Crane se entusiasmou e se motivou fosse pelo que fosse, revelou que só se casou porque a mulher assim o decidiu, mas, no final, aceitando com naturalidade a arbitrariedade da justiça e da morte, obrigado a exprimir-se, o lacónico Ed Crane confessa que após a morte tem o interesse em falar a quem em vida não disse aquilo de que não há palavras para se poder dizer, em particular à mulher. Que significa isso quanto aos sentimentos que tinha com ela? Não sei, nada sei, às vezes quanto mais observamos menos compreendemos.

A inexistência dessas palavras talvez seja aquilo que me impediu de escrever ultimamente aqui no blog, mas o certo é que The Man Who Wasn't There é a partir de hoje um dos meus filmes de eleição, e digo: os irmãos Coen são génios.


*personagem principal do livro O Estrangeiro.