Leio «Carta Aberta a Um Jovem» de
André Maurois, livro que me custou um euro, e ainda bem que não dei mais por ele. É que não sei se vale mais que isso ou se sou um grande forreta.
Fora de brincadeiras: o livro tem temáticas interessantes, André escreve para um jovem que pressupõe ter cerca de 20 anos, oferece conselhos e dá os seus pontos de vista sobre uma vasta quantidade de temas. Mas, o autor tem um pecado capital: ele é profundamente idealista.
Temos os meios físicos bastantes para destruir a civilização e a
espécie; não temos os meios morais suficientes para para nos opormos a
essa destruição.
Toda a concepção do mundo e de como devemos proceder é por parte de André Maurois construído a partir da moral, ou, por outras palavras, se o mundo está mal é por causa da falta de elevação ética e moral dos políticos e restantes cidadãos. Referências nesse sentido são constantes, mas para este post apenas trouxe duas.
A verdade é que são sobretudo as palavras - e os orgulhos exacerbados -
que nos dividem. «Os interesses transigem sempre, as paixões nunca».
Esta última citação sintetiza e deixa a nú o cariz idealista do autor. Tudo é (sobretudo) consequência do espírito humano fraco. Raramente algo é explicado pelo escritor como resultado das condições existentes no meio que descreve. Ele nunca explica as causas do desemprego, por exemplo, limita-se a apelos de que é um mal que deve ser combatido e lamenta-se, igualmente, que a «a civilização da opulência» não resolveu o problema da pobreza, nem sequer nos países desenvolvidos.
Estranho que André Maurois desconheça as causas do desemprego e da pobreza, mas parece que realmente as desconhece, restando-lhe lamentar tamanhos males sociais e pretender passar o valor da luta pela suas resoluções aos jovens que o lêem. O curioso é que tal ignorância ocorre no meio de uma constante verborreia de citações dos grandes escritores e pensadores da História. Como é possível ser-se um intelectual - eleito para a Academia Francesa, inclusive - e ainda assim ter uma concepção do mundo tão superficial? Não quero acreditar que o motivo estivesse em alguma complacência perante o jovem anónimo a que se dirige na carta, ou padecesse de algum tipo de senilidade, selectiva ou não, que o impedisse escrever sobre o mundo de uma forma (quase) materialista. Não vejo que possa ser desculpa o facto de o livro ser do final da década de 60 e o autor ter na altura 80 anos, isso são factores que deviam ajuda-lo a interpretar a sociedade de forma menos ingénua.
Digo eu que não basta ser-se de bom carácter, de moral e ética bem-intencionada, bom cristão, enfim, chame-lhes o leitor o que quiser, para se conseguir construir um mundo mais justo e asseado. É preciso compreender o mundo nas suas leis, o seu movimento e causas, à raiz, para então ser possível transforma-lo.
O livro peca desde o início por mistificar as causas de grandes males da sociedade. Partilha os mesmos pecados que um livrinho que li há tempos chamado «Indignai-vos» de Stéphane Hessel - ainda escreverei sobre ele -, contudo este último sempre divulgava um conjunto importante de injustiças. Carta Aberta a Um Jovem tem ainda uma vasta quantidade de assuntos interessantemente desenvolvidos pelo autor, e tem sido apesar de tudo uma leitura agradável.