quinta-feira, 3 de maio de 2012

Uma variável do Apocalipse

«... quando se encontrou diante de um supermercado. Lá dentro o aspecto não era diferente, prateleiras vazias, escaparates derrubados, pelo meio vagueavam os cegos, a maior parte deles de gatas, varrendo com as mãos o chão imundo, esperando encontrar ainda algo que se pudesse aproveitar, uma lata de conserva que tivesse resistido às pancadas com que tentaram abri-la, um pacote qualquer, do que fosse, uma batata, mesmo pisada, um naco de pão, mesmo feito pedra ...»

José Saramago, in Ensaio sobre a Cegueira
Outros links de interesse: 
- Mixórdia de Temáticas - Pingo Doce - Adquirir produtos à bruta (audio)
- Pano para Mangas - A crónica diária de João Gobern (audio)
- Ad Argumentandum - Depois da Revolta, a Tristeza (texto).

8 comentários:

Anónimo disse...

Ainda bem que fizeste esse comentário- É sinal que não passas necessidades. Se precisasses a sério alçavas a perna como fizeram todos os outros. Eu só não fui porque nem para ir às compras tinha dinheiro... Quem me dera.

Bruno disse...

Talvez, talvez alçasse. Ou talvez você esteja a ser injusto. Espero não vir um dia a saber. Mas faço o que posso para que anónimos como você não tenham que passar por tamanhos problemas. E o que faço não é caridade.

O segundo parágrafo do post anterior acho que é suficientemente claro quanto ao facto de não ter atacado quem cedeu a extremas necessidades.

Anónimo disse...

Bruno disse...

Removi acidentalmente o comentário anterior. Aqui está o que foi escrito:

«Anónimo Anónimo disse...

Como tens jeito para escrever, dedica-te à escrita mas escreve sobre algo mais importante. Não fales do que não conheces. Fala sobre alguma coisa bonita. Já viste que ninguem fala sobre o que de bom e bonito ? Ainda restam coisas de que valha a pena falar não ? Acho que sim...
Aproveita o tempo que te resta para "olhares" para as coisas boas.. e fala delas. Deixa as atitudes dos outros para ultimo plano. Não te vale de nada falar delas e influenciares os outros. Todos nós temos o direito de agir de acordo com o que achamos bem. Mesmo que façamos parte de um rebanho... Há sempre ovelhas tresmalhadas... Se és uma delas, e eu acho que também.. segue o teu caminho e não dez palpites sobre o que não sabes ... Desculpa, mas é meu hábito dizer o que me vai na alma»

(agora, com isto, perdi a resposta que estava a escrever!!)

Bruno disse...

Anónimo;

Você deixa-me agora numa situação delicada por não saber se é o mesmo anónimo acima. Mas presumo que seja.

Antes de mais, eu estou a falar do que sei. E, se se referia a determinadas situações limite de vida, se é verdade que não vivo algumas dessas situações, não sou também desprovido de empatia…

Acho que nunca tinha escrito sobre as atitudes dos outros. Mas também sou gente, e o desabafo foi nesse sentido, pois senti-me traído por aqueles que (consciente ou inconscientemente) cederam à hipócrita promoção do Pingo Doce (PD).

Os empregados do Pingo Doce (PD) que conheço vivem sob ameaça constante que os seus contractos não sejam renovados, e foi novamente dessa forma que se viram coagidos a irem trabalhar no Primeiro de Maio. Alguns estavam inclusivamente de férias.

Eles mereciam a solidariedade de todos nós e consequente boicote ao PD nesse dia.

Foram várias as pessoas que conheço que foram ou tentaram ir ao PD no Primeiro de Maio. Inclusivamente familiares directos meus. Todos eles inconscientes de que estavam a ceder e a deixarem-se usar numa acção promocional cretina por parte da Jerónimo Martins. A promoção foi criada com objectivos obviamente políticos. Foi uma demonstração de força. Vergou os próprios trabalhadores e venceu aqueles que lhes fizeram frente com uma promoção-chantagem que
explorou as carências de muitos.

Inconscientes, note-se. Dai ter escrito no post anterior “bichas de alienados”. Sublinho: alienados. Ser alienado não é vergonha nem sinal de falta de capacidade para deixar de o ser. Se eu deixei de o ser, foi então graças à sorte de ter tido disponibilidade e acesso aos estímulos que me permitiram aprender, ganhar maior sentido crítico, e inclusivamente deixar de pensar segundo o pensamento dominante.

Não esperava nem exigia um acto heróico aos mais carenciados no dia 1 de Maio. É verdade que a história tem muitos casos de quem sob carências extremas não tenha cedido a chantagens bem mais extremas. No entanto, foi em situações de unidade, coisa que falta hoje em dia. É a alienação e ausência de unidade que me preocupa e me fez escrever o desabafo. Falta a consciência e a unidade, neste caso, de classe.

Não passarei a escrever só sobre coisas bonitas. E este assunto é importante. Escrever apenas sobre as coisas bonitas seria tornar-me conivente com um conjunto imenso de situações que nos estão a deixar numa situação grave de pauperização. Faço-o por anónimos como você (tal como revelou acima), mas também por mim, que num futuro relativamente próximo estarei muito provavelmente numa situação complicada de empobrecimento. Ficar a contemplar a beleza na desgraça de braços cruzados é ser cúmplice daqueles que nos desgraçam.

Necessitamos de consciência e unidade (de classe) para lutar por melhores condições de vida. No fundo, lutar para conquistar as condições necessárias para ter e apreciar a vida, e, juntamente, a sua beleza. O meu post, que foi um desabafo, foi também o constatar que nada de bom se adivinha no nosso tempo de vida. Um dia vou também precisar da solidariedade dos outros, mas pelos vistos, estarão todos numa promoção no Pingo Doce.

Além de concordar consigo de que falar das atitudes dos outros não é a via mais assertiva, também concordo quando escreveu que “todos nós temos [e devemos ter] o direito de agir de acordo com o que achamos bem”, no entanto, é preciso saber usar esse direito. E, infelizmente, o que aconteceu no Primeiro de Maio por esses Pingo Doces fora, não fez do nosso mundo um sítio melhor, antes pelo contrário.

O grave, muito grave, é que as necessidades de muitos não estão a ser satisfeitas num mundo que nunca teve tantas condições para as satisfazer. Quando alguém nem sequer tem dinheiro para satisfazer a sua necessidade de aceder a comida, então está quase tudo dito. Falta dizer que não é isso que evita que, por exemplo, a Jerónimo Martins pratique taxas de lucro enormes nem que fuja com os capitais em investimentos em países que a maioria de nós jamais visitará sequer.

Obrigado pelos seus comentários.

Anónimo disse...

Ok, face ao que disse, deixo a minha opinião que se resume a isto :
O que se passa a nivel económico, não se passa no nosso país, nem no país vizinho. Passa-se no mundo. E não se trata nem de perto nem de longe duma crise económica, mas sim uma crise de valores. Chegou o momento em que muita coisa precisa ser mudada, nomeadamente o comportamento das pessoas, o respeito e educação, a consideração pelo próximo. As pessoas andam cansadas, deixaram de pensar, agem em conformidade com elas próprias, independentemente do que possam fazer aos outros. Agem em prol dos beneficios que podem usufruir e mais nada.
Bem, lamento dizê-lo, mas apesar de tudo o que foi dito, por mim e por si, e apesar de concordar com algumas coisas que disse, lamento dizer que só não fui ao PD porque não tinha dinheiro. Isto porque estando prestes a perder tudo, casa, emprego, e mais qqr coisa que não vale a pena falar, ficava felicissima se pudesse encher 3 carrinhos de compras. Mas ainda bem que nem todos pensam como eu.
Bem, somos diferentes e ainda bem que pode atuar de modo diferente.

Desculpe a insistência, mas escreva sobre coisas bonitas :)
Fazem falta.. ( principalmente a mim ).

Já agora, o meu nome é Anabela.

Foi um prazer

Anónimo disse...

Ok, face ao que disse, deixo a minha opinião que se resume a isto :
O que se passa a nivel económico, não se passa no nosso país, nem no país vizinho. Passa-se no mundo. E não se trata nem de perto nem de longe duma crise económica, mas sim uma crise de valores. Chegou o momento em que muita coisa precisa ser mudada, nomeadamente o comportamento das pessoas, o respeito e educação, a consideração pelo próximo. As pessoas andam cansadas, deixaram de pensar, agem em conformidade com elas próprias, independentemente do que possam fazer aos outros. Agem em prol dos beneficios que podem usufruir e mais nada.
Bem, lamento dizê-lo, mas apesar de tudo o que foi dito, por mim e por si, e apesar de concordar com algumas coisas que disse, lamento dizer que só não fui ao PD porque não tinha dinheiro. Isto porque estando prestes a perder tudo, casa, emprego, e mais qqr coisa que não vale a pena falar, ficava felicissima se pudesse encher 3 carrinhos de compras. Mas ainda bem que nem todos pensam como eu.
Bem, somos diferentes e ainda bem que pode atuar de modo diferente.

Desculpe a insistência, mas escreva sobre coisas bonitas :)
Fazem falta.. ( principalmente a mim ).

Já agora, o meu nome é Anabela.

Foi um prazer

Bruno disse...

Vou então continuar a tentar escrever sobre coisas bonitas. Mas é-me complicado. Faltam-me as palavras. Aqui é onde tento publica-las: http://tres-paragrafos.blogspot.pt/search/label/Sometimes%20there%27s%20so%20much%20beauty%20in%20the%20world... .

Também me faltam as palavras perante a sua descrição...

Foi-me também um prazer, Anabela.