quinta-feira, 31 de maio de 2012

o velho capitão


Não vou descrever o momento. Isso seria para os poetas. Com Mário Wilson, aquilo que no fundo, às vezes tão lá no fundo, liga as pessoas entre si, fica claro, e à vista. A amabilidade com que recebe, e se oferece ao próximo é indescritível.

Foi com essa poesia que no fundo - não há poeta que descreva tão fundo -, que hoje, e sempre, o amigo Sr. Wilson confraternizou com os meus pais. Não lembrava que era assim, mas as recordações que tenho dele, com eles, revelam-me que sempre assim foi. Uma tremenda amabilidade. Uma qualidade dos grandes Homens.

Cumprimentou-me - se é que esse é o termo. Enfim, segurou-me a mão com ambas as mãos - se é que essas são as palavras. Nada falamos - mas só eu é que nada disse. Mais tarde, brincou, «Quem é este gigante que aqui está?!»... De momento, tenho nas mãos a sua biografia e vem com uma dedicatória dirigida a mim! Diz no final que para o ano vamos ser campeões! - ao que traduzo para um: para o ano vais ser como eu. Mas, ele, acho eu, pensa honestamente que só há campeões quando o são como colectivo. Procurou dizer por palavras aquilo que sabe dizer sem elas, porque no fundo, tão lá fundo, não há palavras. Só é descritível sem elas, onde o velho capitão é poeta.

domingo, 27 de maio de 2012

Sankt Pauli


Na sexta-feira, esperava numa estação da linha de Cascais por um comboio, quando um senhor sentou-se ao meu lado. Fiquei espantado por ele trazer vestido uma t-shirt preta do St Pauli. Se nunca ouviste falar, o St. Pauli é um clube desportivo muito sui generis de Hamburgo...

Ontem, sábado, após ter participado na manifestação do PCP contra o «pacto de agressão» que é a Troika, vinha com uns amigos quando nos cruzamos com um outro senhor com uma t-shirt preta igual. Quem ia comigo comentou: Viste? Aquele trazia uma camisa do St. Pauli! Sim - respondi -, contei-lhe que era a segunda t-shirt que via em menos de 24 horas e falei-lhe então do acontecimento do dia anterior. Ele achou curioso e surpreendente encontrar-se tantas referencias ao St. Pauli, afinal, não se trata de um clube português e a sua equipa de futebol joga na segunda divisão alemã.

Mas, o mais surpreendente ocorreu depois. Assim que acabamos de falar acerca do tal homem que na estação de comboio trazia vestido a t-shirt, nem dez segundos passados, e esse mesmo senhor passa no passeio ao nosso lado!! E, o mais fantástico, levava ainda consigo a sua t-shirt do St. Pauli!!! Há com cada coincidência!

(e é com este glorioso momento que introduzo o blog do St. Pauli Portugal na barra lateral)

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Seria uma faxina fascinante

Foi fascinante o que ela me disse. Disse ela que aprendeu num workshop de comunicação e voz que a maioria das pessoas não sabe dizer fascinante. Dizem antes faxinante. Por exemplo, ao invés de falarem:

Era fascinante que se destituísse Miguel Relvas de ministro da República Portuguesa;

A maioria pronunciará,

Era faxinante que se destituísse Miguel Relvas de ministro da República Portuguesa.

Fiquei feliz ao saber que já antes dizia fascinante e não faxinante. É importante cuidar da fonética. Não iremos nós, inadvertidamente, ter a inteligência e a decência de promover uma valente faxina nas mais altas instituições políticas da República. Assim, só para começar, fazer a faxina ao governo.

Porque as palavras são armas, é preciso cuidar da fonética, da oralidade, sobretudo quando se tem empregos em que a comunicação oral pode ser fundamental, exemplo, jornalista. Todo o cuidado é necessário, não vá a fonética tornar a faxina mais que mera limpeza de aparências, e limpe de vez os ministros fascistas, perdão, os ministros fascinantes que temos.

sábado, 19 de maio de 2012

A Brief History of John Baldessari

via Ferrust (incluído na barra lateral)

domingo, 13 de maio de 2012

A Peste, Albert Camus

«Por uma bela manhã de Maio, uma esbelta amazona, montada numa sumptuosa égua alazã, percorria as áleas cheias de flores do Bosque de Bolonha.»

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Patologia do Vazio, diz ele

Olá, é com um sofrível prazer que escrevo pela primeira vez aqui.

O autor deste blogue encontra-se num dilema de fácil resolução que adia solucionar. A contradição em que se colocou resulta da sua vontade em escrever palavras vãs, néscias, que provavelmente faça o leitor perder o seu tempo, e por outro lado, a sua moral que o impele a escrever parágrafos que promovam algum tipo de reflexão sobre o mundo, e nos raros dias de optimismo, inclusivamente, a transformar infinitesimamente esse mundo. Não se decide.

Penso eu, que sou o narrador deste blog, que perante este bloqueio em que a decisão se vai transformando numa crise de proporções absurdas, me vejo na necessidade de aparecer, e inaugurar aqui a minha escrita. Com este inútil texto na perspectiva do leitor, simplesmente, desbloqueio o dilema. Para gozo pessoal, roubo a resolução da contradição ao autor do blog e transformo-me eu no revolucionário: a partir de hoje escrever-se-á conteúdo néscio.

Duvido, porém, que consiga convencer o autor deste blogue de que revolucionário e conteúdo néscio sejam palavras que possam conviver pacificamente na mesma frase, mas acredito que o alívio que o autor deste blog sentirá ao ter eu decidido por ele, irá fazê-lo conformar-se perante a incoerência. Espero não estar a sobrestimar os vícios e feitio de pequeno-burguês do autor deste blog. Refiro-me, neste caso, sobretudo ao conformismo e apatia dele. É que, como narrador, não gostaria de entrar em conflito com o autor de séries como «Rumo ao Fascismo» e «O executivo do Estado moderno...», publicado ao longo do curto tempo de vida do blog.

Caro leitor, sinceramente, é-me isto tudo indiferente. Mas acho que autor deste blogue irá perder o juízo.

Cumprimentos,
o Narrador.

domingo, 6 de maio de 2012

A Crise... ou A Peste, de Camus?

A intenção do narrador não é, entretanto, dar a essas equipes sanitárias mais importância do que elas realmente tiveram. No seu lugar, é verdade que muitos de nossos concidadãos cederiam hoje à tentação de lhes exagerar o papel. Mas o narrador está antes tentado a acreditar que, ao dar demasiada importância às belas ações, se presta finalmente uma homenagem indireta e poderosa ao mal. Pois, nesse caso, se estaria supondo que essas belas ações só valem tanto por serem raras e que a maldade e a indiferença são forças motrizes bem mais frequentes nas ações dos homens. Essa é uma ideia de que o narrador não compartilha. O mal que existe no mundo provém quase sempre da ignorância, e a boa vontade, se não for esclarecida, pode causar tantos danos quanto a maldade. Os homens são mais bons que maus e, na verdade, a questão não é essa. Mas ignoram mais ou menos, e é a isso que se chama virtude ou vício, sendo o vício mais desesperado o da ignorância, que julga saber tudo e se autoriza, então, a matar. A alma do assassino é cega, e não há verdadeira bondade nem belo amor sem toda a clarividência possível.

É por isso que nossas equipes sanitárias, que se concretizaram graças a Tarrou, devem ser julgadas com uma satisfação objetiva. É por isso que o narrador não quer ser o propagandista por demais eloquente de uma vontade e de um heroísmo a que atribui uma importância apenas razoável. Mas continuará a ser o historiador dos corações de nossos concidadãos que a peste tornara dilacerados e exigentes.

Com efeito, os que se dedicaram às equipes sanitárias não tiveram um mérito tão grande em fazê-lo, pois sabiam que era a única coisa a fazer, e não se decidir fazê-lo é que teria sido incrível. Essas equipes ajudaram nossos concidadãos a penetrar mais na peste e persuadiram-nos, em parte, de que, uma vez que a doença existia, deviam fazer o necessário para lutar contra ela. Uma vez que a peste se tornava o dever de alguns, ela surgiu realmente como era, isto é, como o problema de todos.
A Peste, Albert Camus *

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Uma variável do Apocalipse

«... quando se encontrou diante de um supermercado. Lá dentro o aspecto não era diferente, prateleiras vazias, escaparates derrubados, pelo meio vagueavam os cegos, a maior parte deles de gatas, varrendo com as mãos o chão imundo, esperando encontrar ainda algo que se pudesse aproveitar, uma lata de conserva que tivesse resistido às pancadas com que tentaram abri-la, um pacote qualquer, do que fosse, uma batata, mesmo pisada, um naco de pão, mesmo feito pedra ...»

José Saramago, in Ensaio sobre a Cegueira
Outros links de interesse: 
- Mixórdia de Temáticas - Pingo Doce - Adquirir produtos à bruta (audio)
- Pano para Mangas - A crónica diária de João Gobern (audio)
- Ad Argumentandum - Depois da Revolta, a Tristeza (texto).

terça-feira, 1 de maio de 2012

O Porno Doce abriu-se no 1º de Maio

O Pingo Doce diz que não faz promoções pois os seus preços são sempre baixos. Hoje, fez uma promoção com objectivos claramente políticos e de classe. Fez uma demonstração de poder. E parte da classe trabalhadora curvou-se perante esse poder. Uns viram-se ameaçados para trabalharem e fizeram-no, enquanto outros trabalhadores deram a peida fazendo-se clientes. Os primeiros deviam ter tido a solidariedade dos segundos e boicotado as grandes superfícies comerciais que abriram, mas terminaram todos numa orgia de enormes bichas consumidoras.

No fundo, o Pingo Doce subornou hoje os consumidores.  Exploraram a carência e a falta de dignidade dos seus clientes. Houve quem tenha cedido perante as suas extremas necessidades, mas, também, houve muitas e longas bichas de alienados que alçaram a perna durante horas na esperteza de se venderem por uns euros. A carneirada é assim, ela quando vende o corpinho e alça a perninha pensa que está apenas a fazer uma pose bonita, sorri, e no final sai tudo fodido.

Para os Pingo Doces deste mundo os feriados são para se vergar ao consumo, à exploração, ao lucro. A seguir ao 1º de Maio vão tentar o Dia de Natal e o de Ano Novo. São insaciáveis. Se por acaso, entretanto, a malta comunista da CGTP não comer as criancinhas enquanto outros alçam o pernil, a Jerónimo Martins meterá lolitas nas caixas para elevar o grau pornográfico das coxas de perú na consoada. Estaremos então todos a trabalhar no dia 25 de Dezembro. O menino Jesus estender-se-á nas palhinhas promocionais do sempre barato Porno Doce. É um Pingo Vergonhoso.