quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Reunião de Amigos

A minha agenda de contactos.
Há dias pensei reunir um conjunto pequeno de amigos mais chegados. O objectivo era chamarmo-nos nomes feios. Peguei na agenda e listei pouco mais de dez nomes. Mas cancelei a ideia de os reunir perante uma certa desolação quanto ao que me deparei.

Ontem assistia a uma entrevista a Carlos do Carmo quando ele deu uma imagem que serve, de certa forma, como analogia para essa a minha desolação; sendo certo que a distância entre o meu caso e o dele é grande, talvez ao equivalente de mais de 40 anos de idade que nos difere. No final da entrevista ele disse, sobre os amigos, algo como isto: "Sabe, eu olho para a minha agenda e o que vejo é um cemitério. A minha agenda é um cemitério!".

Nenhum dos amigos que listei está literalmente morto, mas vários estavam impedidos de comparecer numa reunião por motivos graves - relacionados indirectamente com a precarização das condições de vida. Um dos motivos é a emigração. Para desanuviar passarei a dizer que a minha agenda é uma agência de viagens.

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Carta Aberta a Um Jovem, de André Maurous

Leio «Carta Aberta a Um Jovem» de André Maurois, livro que me custou um euro, e ainda bem que não dei mais por ele. É que não sei se vale mais que isso ou se sou um grande forreta.

Fora de brincadeiras: o livro tem temáticas interessantes, André escreve para um jovem que pressupõe ter cerca de 20 anos, oferece conselhos e dá os seus pontos de vista sobre uma vasta quantidade de temas. Mas, o autor tem um pecado capital: ele é profundamente idealista. 
Temos os meios físicos bastantes para destruir a civilização e a espécie; não temos os meios morais suficientes para para nos opormos a essa destruição. 
Toda a concepção do mundo e de como devemos proceder é por parte de André Maurois construído a partir da moral, ou, por outras palavras, se o mundo está mal é por causa da falta de elevação ética e moral dos políticos e restantes cidadãos. Referências nesse sentido são constantes, mas para este post apenas trouxe duas.
A verdade é que são sobretudo as palavras - e os orgulhos exacerbados - que nos dividem. «Os interesses transigem sempre, as paixões nunca».
Esta última citação sintetiza e deixa a nú o cariz idealista do autor. Tudo é (sobretudo) consequência do espírito humano fraco. Raramente algo é explicado pelo escritor como resultado das condições existentes no meio que descreve. Ele nunca explica as causas do desemprego, por exemplo, limita-se a apelos de que é um mal que deve ser combatido e lamenta-se, igualmente, que a «a civilização da opulência» não resolveu o problema da pobreza, nem sequer nos países desenvolvidos.

Estranho que André Maurois desconheça as causas do desemprego e da pobreza, mas parece que realmente as desconhece, restando-lhe lamentar tamanhos males sociais e pretender passar o valor da luta pela suas resoluções aos jovens que o lêem. O curioso é que tal ignorância ocorre no meio de uma constante verborreia de citações dos grandes escritores e pensadores da História. Como é possível ser-se um intelectual - eleito para a Academia Francesa, inclusive - e ainda assim ter uma concepção do mundo tão superficial? Não quero acreditar que o motivo estivesse em alguma complacência perante o jovem anónimo a que se dirige na carta, ou padecesse de algum tipo de senilidade, selectiva ou não, que o impedisse escrever sobre o mundo de uma forma (quase) materialista. Não vejo que possa ser desculpa o facto de o livro ser do final da década de 60 e o autor ter na altura 80 anos, isso são factores que deviam ajuda-lo a interpretar a sociedade de forma menos ingénua.

Digo eu que não basta ser-se de bom carácter, de moral e ética bem-intencionada, bom cristão, enfim, chame-lhes o leitor o que quiser, para se conseguir construir um mundo mais justo e asseado. É preciso compreender o mundo nas suas leis, o seu movimento e causas, à raiz, para então ser possível transforma-lo.

O livro peca desde o início por mistificar as causas de grandes males da sociedade. Partilha os mesmos pecados que um livrinho que li há tempos chamado «Indignai-vos» de Stéphane Hessel - ainda escreverei sobre ele -, contudo este último sempre divulgava um conjunto importante de injustiças. Carta Aberta a Um Jovem tem ainda uma vasta quantidade de assuntos interessantemente desenvolvidos pelo autor, e tem sido apesar de tudo uma leitura agradável.

domingo, 27 de outubro de 2013

Se tiver mais de três acordes, é Jazz.

Admiro-o dos Velvet Undergound. A frase que tenho no sub-título do blog é uma citação corrompida dele. "Se tiver mais de três acordes, é Jazz". Hoje Lou Reed voltou à tónica, a casa.

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Distribuição da Riqueza Produzida

Capa DN 16-10-2013
Deixo aqui apenas dois pontos dignos de registo para esta rubrica do blog

1 - Esta capa publicada ontem no DN com referencia à distribuição da "austeridade" para o Orçamento de Estado que se anunciou: 82% são cortes na função pública, reformados, Educação e Saúde; e 4% para a banca, petrolíferas e redes de energia.

2 - E esta citação que roubo a este excelente artigo de Miguel Tiago sobre um país "imaginário":

Imagina um país onde mais de 60% da riqueza produzida num ano é distribuída como rendimento de capital e menos de 40% é distribuída como rendimento de trabalho. Imagina um país em que a receita fiscal sobre rendimentos incide em 73% sobre os rendimentos do trabalho e 27% sobre os de capital.

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Xadrez, CGTP e Experiência.

Houve uma fase da minha vida que quase todas as noites jogava xadrez. Teria eu uns 13 anos e jogava com gente muito mais velha e experiente. Muito aprendi no que directamente e indirectamente se relacionava com o jogo, por exemplo, que estava primeiro a defesa e só depois o ataque. É certo que ambos estão dialecticamente interligados, no futebol costuma até dizer-se que a melhor defesa é o ataque, contudo, a experiência no xadrez fez-me compreender as seguintes palavras:
«Desde tempos antigos, 
O Guerreiro experiente
Primeiro garante 

A sua própria 
Invulnerabilidade; 
Depois espera pela
Vulnerabilidade

do inimigo».
Claro que era muito miúdo e nunca tinha sequer ouvido falar de Sun Tzu, menos ainda seria capaz de intelectualizar por palavras o que o jogo me ensinara, mas a experiência ensinou-me este saber que guardo e vos falo.

Quando soube que a CGTP cancelou a marcha a pé pela Ponte 25 de Abril, não queria acreditar que teriam cedido às ameaças do governo. Afinal, ele não podia proibir a manifestação, visto que o governo não está acima da Lei. Mas este texto ajudou-me a clarificar as ideias sobre o assunto, que era algo que andava a pensar há já uns dias quanto a esta marcha na ponte, e, foi assim, que recordei este saber que aprendi há muitos anos atrás, e antes, há muitos séculos atrás Sun Tzu disse-o.

Seja o que cada um de nós pense sobre a posição da Intersindical a verdade é que, tal como escrevi no post anterior, no dia 19, sábado, é muito importante agirmos ao participarmos na manifestação.

sábado, 12 de outubro de 2013

Empreendedorismo de novo tipo: Pró-Actividade e Organização.

Organogramas Funcionais
São dois pontos comuns na linguagem dominante que anda à volta do chamado empreendedorismo: acção e organização. Se é preciso agir, não ficar parado à espera, ser pró-activo, etc e tal, é repetido à exaustão, também a organização é um factor importante, tanto individualmente, por exemplo, na gestão do tempo, como numa equipa.

Curiosamente, é muito comum que os mesmos que reconhecem a importância da acção e da organização, quando o assunto é política e acção de massas, eles já não têm uma postura de pró-actividade, antes pelo contrário, são conformistas e inactivos, e, frequentemente, optam também por depreciarem a necessidade das massas terem de se organizar politicamente para verem os seus objectivos alcançados.

Agir organizadamente é uma necessidade, e é tanto maior quanto for a grandeza e complexidade da obra a construir. Não há argumentos que refutem isto, a prática confirma-nos diariamente. No dia 19, sábado, é muito importante agirmos ao participar na marcha da organização dos trabalhadores com o nome CGTP. Objectivo: aproveitar o know-how da intersindical para empreender um futuro melhor.

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Maior produtividade, igual a menos tempo de trabalho e mais emprego?

 Este gráfico desencadeou dois comentários que registo mais abaixo:
Ver artigo aqui
Ora, a análise de um amigo a estes resultados é curiosa, apesar de ser o pensamento dominante, sobretudo nos média. Ele sucintamente diz que: 

"Maior produtividade" ⇒ "melhor economia" ⇒ "menos desemprego" ⇒ "mais direitos para os trabalhadores" ⇒ "menos horas de trabalho".

Gostava de entrar em diálogo com ele para aprofundar o seu raciocínio e ser antitese à sua tese.

Penso que este meu amigo não está a ver bem a coisa, e temo que ela seja antes assim:

Se há condições sociais e tecnicas para se produzir algo por menos horas de trabalho, então há condições para todos trabalharmos menos tempo e termos mais tempo livre. Mas é isso que acontece na realidade? Não. Devido às relações sociais existentes, em que os possidentes do capital detêm mais poder do que os trabalhadores, esse tempo livre é transformado em desemprego. Não o fazem por maldade, mas por interesse: os capitalistas têm a necessidade de baixar salários para contrariar a tendência para zero das taxas de lucro. [1]

O desemprego, por sua vez, força os salários a baixar. Como o faz? A força de trabalho é uma mercadoria, e sendo certo que é especial por ter como invólucro seres humanos, não há "boa moral" que detenha a lei da procura e da oferta. Quanto mais a oferta de força de trabalho excede a procura, maior é a tendência para o seu preço baixar.

Surge uma contradição: ao mesmo tempo que baixam salários, os capitalistas precisam que os trabalhadores tenham poder de compra. Ora, só à luz da dialéctica isso é fácil de se compreender, trata-se de uma das contradições centrais do sistema social em que vivemos: o capitalismo. [2]